A menina gorda

A menina gorda estava nervosa, em poucos minutos seria o centro das atenções, isso ela já estava acostumada, era muito elogiada pela família, que era imensa. Mas agora era diferente, ali, sentados para assisti-la estavam pessoas que ela nunca havia visto, era muita gente. Isso para um adulto já seria difícil, imagine para uma menina de 10 anos?!



Pois sim, era uma peça infantil, a peça chamava-se “O elefantinho cor de rosa”, era a história do lindo elefantinho cor de rosa que procurava sua família, perdido na floresta. Lá haviam muitos outros bichos, mas a estrela da pela era ela, Maria, com seus longos cílios emoldurando enorme olhos azuis, suas bochechas de uma vermelho rubi (isso sem um pingo de blush), enfim, era Maria com um longo vestido rosa brilhante!

Todas as outra meninas a invejavam! Ela foi escolhida pelas freiras por unanimidade, o critério era assim: as meninas magrinhas com olhos enormes eram os macaquinhos. Quem fazia esse personagem usava um macacão todo marrom, com um rabo enorme, só apareciam o rosto, no qual os olhos ficavam ainda maiores e as crianças escolhidas, totalmente envergonhadas. As borboletas, apesar de belas espécies escondiam as crianças escolhidas, portanto quem foi borboleta a fantasia escondeu, portanto não apareceu e por ai vai.

Maria estava radiante, atuou brilhantemente e até hoje, mais de 20 anos depois, ainda guarda os aplausos, os gritos de linda e todos os meninos babando por ela na sua mente. O melhor é que agora, mesmo depois dos 30, ela continua sendo atriz principal.

Maria tem sorte com o sexo oposto, namora sério o personal mais lindo da academia, os olhos parecem o céu de verão de tão azul, as bochechas ainda não necessitam de blush, o corpo de 80kg para 1,60m é bem distribuído, enfim... Sim Maria é gorda mais nem percebe.

Houve um encontro com a turma do colégio há pouco tempo atrás. Todos, especialmente os macaquinhos, lembraram da peça infantil, riram muito, contaram histórias...

Engraçado, Maria não entendia como nem todos guardaram ótimas lembranças do colégio. Maria lembrava de tudo, era ótima em história e português, as freiras a amavam... Quando voltava para a casa a família a recebia feliz com o lanche do final da tarde já na mesa, o bolo ainda quente. Ela podia sentir o gosto!

Maria viu que nem todos eram felizes, as crianças que foram borboletas, coincidentemente cresceram apagadas, afogadas na própria fantasia, que agora eram casamentos infelizes, insatisfação profissional, busca de metas impossíveis, enfim, a reunião acabou e Maria voltou para sua rotina.

Fez uma rápida recapitulação da sua vida, contatou muito mais satisfação do que dor. Magoas existiam, mas eram tão menores do que o amor que Maria nutre por si mesma que ela mal consegue lembrar direito das histórias.

Pois é, a vida passa rápido e nos deixa marcas, sim. Marcas que temos o poder de escolher se serão enfeites ou cicatrizes, que marcarão nosso corpo e principalmente nossa alma.

Sim Maria acordo!

Ela não podia fingir que nada estava acontecendo, fingir que não percebia quando as pessoas olhavam e não gostavam do que viam, algumas até chegaram a lhe falar sobre, sim, as vezes as pessoas são cruéis. Seu próprio namorado havia lhe dado uma força para eliminar o que a incomodava, mas ela se negava a assumir tal complexo, mas agora bastava!

Maria decidiu! Amanhã mesmo iria a médica desabafar e pedir o nome da melhor dermatologista do Brasil, sim, isso mesmo.

Maria tinha uma enorme pinta no queixo, isso não combinava com o rosto delicado e colorido de Maria.

Que alívio, após tantos anos, Maria conseguiu assumir que isso não lhe agradava e agora se sentia leve e ainda mais feliz.

Pronto, a vida continua, Maria volta para a casa, se troca correndo, esta atrasada para a academia, antes passará na padaria da esquina para, como de habitual, devorar a rosquinha de doce de leite chamuscada de açúcar! Delícia! Afinal essa coisa de autoconhecimento da fome!

Pois é, nada de Gisele, o negócio é ser Maria!

2 comentários:

  1. Lêr esse texto me deu um alívio.
    É isso aí!

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  2. Tenho pés muito grandes.
    Meu nariz é de turco.
    mas sou lindão!! Por que acho isso? porque sou feliz.

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